Beleza Fatal: por que a gente ama odiar a vilã?
- Ana Paula
- 10 de abr.
- 4 min de leitura

Existe um fascínio antigo — e quase irresistível — pelas vilãs. Não qualquer vilã, mas aquelas que mexem com nossos códigos internos de certo e errado, de ética e desejo. As que nos fazem torcer contra e, ao mesmo tempo, admirar em silêncio. E talvez nenhuma represente tão bem esse espelho distorcido do feminino quanto Lola, personagem de Beleza Fatal.
Mas… será que Lola é mesmo a única vilã da trama?
A gente poderia dizer que ela só é vilã porque, bem… tem mortes no seu currículo. Mas sejamos honestas: e se não houvesse mortes envolvidas, será que ela ainda seria tachada como tal? Talvez não. Talvez fosse apenas vista como aquela mulher ambiciosa, que faz o que precisa ser feito. Alguém que sobe na vida. Que não se deixa apagar.
Mas o problema é que Lola não só sobe — ela atropela. Ela é conivente com um erro médico do Benjamin e do Rog, seus chefes na clínica. Depois, mata o próprio marido para preservar os interesses da empresa e da imagem. E se isso não bastasse, incrimina a própria prima, trata ela como empregada dentro de casa e age como se nada estivesse fora do lugar. O estopim da vilania não é a morte. É a crueldade cotidiana. É quando ela naturaliza a manipulação, o abuso, o desprezo.
E quando enfim chega ao topo, estampa seu nome em produtos milagrosos que prometem fazer emagrecer com um batom. Como não lembrar das promessas irreais de tantas influenciadoras por aí, não é mesmo?
Lola é, sim, uma caricatura exagerada da mulher que a sociedade espera que sejamos — bela, vitoriosa, admirável. Mas sem parecer esforçada. Silenciosa. Fina. Moderada. E Lola é o oposto de tudo isso. Ela é expansiva, barulhenta, autêntica. É por isso que, mesmo sendo vilã, ela hipnotiza. Porque ela toca, em nós, o desejo de sermos inteiras, intensas, indomáveis.
A vilã que virou "lover"
É curioso perceber o quanto o público criou os “Lolovers”. Sim, tem gente torcendo por ela. Tem gente que se identifica. E é aí que mora a mágica (e o desconforto). Porque o vilão — aquele bem construído — é o único que não está tentando agradar. Ele não é feito para ser simpático. E quantas vezes, na vida real, a gente só queria ser assim? Autênticas, diretas, sem filtro. Sem medo do julgamento.
Os mocinhos são, muitas vezes, idealizados. Tão certinhos, tão perfeitos, que não parecem humanos. Já os vilões nos lembram da gente. Do nosso lado sombra. Da nossa raiva contida. Da inveja que fingimos não sentir. Do desejo que tentamos negar. Por isso Lola incomoda e atrai. Porque ela faz tudo o que, em alguma medida, gostaríamos de ter coragem para fazer.
Ela é o "não" dito com firmeza.
O egoísmo assumido.
O limite imposto sem culpa. E isso, em uma sociedade que nos ensina a agradar o tempo inteiro, pode ser sedutor.
E quanto a mulher que nunca se vê suficiente
Lola é controle, é presença, é desejo. Mas também é dor. Uma dor antiga, dessas que a gente aprende a esconder bem cedo. Ela não é só a vilã da novela. É o retrato de uma mulher que precisou endurecer para sobreviver num mundo que adora destruir mulheres que ousam.
Do outro lado, está Gisela. A mulher que sofre calada, que sorri para manter as aparências, que ama demais, que espera ser escolhida. Que se violenta para caber, se mutila para merecer. A que se anulou tantas vezes que já nem sabe mais quem é. Gisela é o extremo oposto de Lola — mas a dor que carrega é da mesma raiz.
Se Lola representa o exagero do poder, Gisela é o espelho quebrado da autoimagem. A mulher que se vê pequena, dentro de uma família de pessoas grandes de médicos e cirurgiões — o ambiente perfeito para alimentar a ideia de que sempre há algo a ser consertado. Ela não passa por procedimentos cirúrgicos invasivos, mas vive à base de botox, cremes e inseguranças.
Seu marido o famoso “Doutor Peitão” —é um homem que lucra com a insegurança feminina. E que nunca perde a chance de lembrar à própria esposa que ela não está "à altura". Que ela precisa de mais aqui, menos ali. Que precisa se ajustar.
Gisela nos atravessa porque nos representa. Em algum momento da vida, quase toda mulher já se sentiu como ela: insuficiente, inadequada, invisível.
Quantas de nós vivem exatamente essa história sem nem perceber?
Mas Beleza Fatal não é apenas sobre pessoas. É sobre o cenário em que elas vivem. A clínica da Lola - Lolaland é quase um personagem. Ela pulsa vaidade, exigência, competição. Um lugar onde tudo gira em torno do corpo feminino — e do que ele deve ser.
A beleza que se cobra com juros
No fim das contas, talvez a beleza fatal não seja a da Lola. Mas o sistema que a criou. Que a alimentou. Que nos ensinou a querer ser como ela — mas com limites. Queremos poder dizer “não”, mas não queremos ser vistas como cruéis. Queremos liberdade, mas tememos parecer egoístas. Queremos sucesso, mas sem pisar em ninguém. Só que, para muitas mulheres, o único caminho visível é justamente esse: o da performance. O do exagero. O da imagem.
Viver da própria imagem parece sonho. Mas qual é o preço quando o espelho se torna o nosso maior inimigo?

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